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05/06/2008

Carta aberta sobre terras indígenas no Brasil

Em virtude do trabalho no IECAM e dos laços com os indígenas Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, estamos recebendo muitas mensagens referindo as diversas e freqüentes imagens e reportagens veiculadas na mídia nacional envolvendo diversas etnias, dos índios Guarani aos Kaiapó e aos tantos povos das Florestas. Penso que o diálogo e o respeito ainda são os melhores caminhos na construção de uma sociedade mais justa, com menos desigualdade, por mais continental e diverso que seja nosso país.

Mas vejam o Art. 231 de nossa Constituição, onde são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens... cabendo-lhes (aos índios) o usofruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes... Além disso, os índios têm direito á tal atenção diferenciada, em saúde, educação, habitação...

Nossas gerações estão vivenciando um momento histórico cujas atitudes refletirão o destino de todas culturas, em todas as nações, assim como a garantia ou não dos recursos naturais que permitirão a sobrevivência ou evolução de nossa e demais espécies nesse limitado planeta.

A ciência nos mostra que alteramos em 500 anos o que todos povos e civilizações não alteraram,  em milênios... Convivemos com povos que do norte ao sul do Brasil vivem em contato direto com os ecossistemas e adquiriram uma sabedoria milenar, há muito utilizada e comercializada nas mais diversas áreas. Povos que necessitam (como nós) das florestas, das matas, da fauna nativa, dos campos, dos rios e igarapés, dos mangues, do mar.

Muitos no sul afirmam que os Guarani daqui não são mais índios, baseados no fato dos indígenas possuírem um celular ou usar roupas como as nossas. Apesar de adotarem essas (e espero que outras inovações tecnológicas) todos falam em guarani. Cada vez mais aprendem o português, mas todos nascem e crescem falando somente o guarani nas aldeias. O português é para se comunicarem conosco, os Jurua.

A casa de reza, os ritos, o respeito aos velhos, aos Karai (pajés), a arte, os mitos, a religião, são mantidos. Pois eles sempre foram, são e serão guarani, vivendo em poucas áreas e aldeias com recursos naturais inadequados e em acampamentos, em áreas que já abrigaram seu povo e a mata atlântica. Estão do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul, no Mato-Grosso e nos paises vizinhos... Quando comparadas às grandes áreas do norte; as áreas indígenas do sul e sudeste  do Brasil tornam-se imperceptíveis em mapas e imagens.

Quantas cidades, matas, rios, cachoeiras, espécies animais e vegetais, em todo o Brasil possuem nome guarani? E justamente no sul, onde boas políticas públicas foram e devem ser construídas. Onde compartilhamos tantas palavras e costumes originalmente guarani, do manejo das matas e da erva-mate ao chimarrão, ao tchê.

Grande parte da sociedade gaúcha desconhece que no sul existem duas etnias (além dos charrua), dois povos indígenas, de troncos lingüísticos e raízes históricas diferentes: os Kaigang, com uma população dez vezes maior, mais conhecidos e mais presentes no cotidiano das cidades e os Guarani (os Guarani Mbyá, Xiripa, Kaiova), retomando a luta para garantir seus direitos e suas terras. Conhecemos muito bem a história da colonização européia, mas desconhecemos a influência e a história dos Guarani e de tantos povos na história do Brasil.

Acredito no desenvolvimento sócio-econômico e ambiental. Sou noneária aos povos originários, às comunidades tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, indígenas... Acredito que nessas mãos nossos biomas terão uma chance maior de conservação e julgo que as necessidades de proteção integral e manejo sustentável são compatíveis, apesar das forças contrárias.

Grata pela atenção, Denise Wolf Vice-presidente IECAM